
Bruno Vianna DipWSET
Em
sua 9ª edição, mais uma vez a Grande Prova Vinhos do Brasil (GPVB) encerra
trazendo um retrato bem completo do vinho brasileiro, que mostra qualidade e
evolução. Veja no final a lista integral dos campeões nas 51 categorias. Lembre-se,
porém, de que foram provados muito mais vinhos de grande qualidade e vale a
pena conhecê-los. Para isso, será preciso aguardar aproximadamente um mês,
quando todas as medalhas serão divulgadas, no WINE REPORT do grupo Baco
Multimídia, promotor da prova. Seguem meus comentários sobre este marcante
evento.
A AVALIAÇÃO
Em
4 dias de degustação às cegas (26 a 29/10/2020), no Rio de Janeiro, provamos 1.309
amostras, marcando assim a maior avaliação de vinhos brasileiros já realizada.
Foram:
· 814 vinhos tranquilos (brancos, tintos e rosés)
· 428 espumantes, divididos em 18 categorias, pela sua
importância na produção nacional
· 67 sucos de uvas (brancos e tintos), produto em que o Brasil é
referência internacional
Participaram
144 vinícolas de 9 estados brasileiros: RS, SC, SP, MG, PR, GO, PE, BA e ES. As
safras presentes variaram de 2004 a 2020, além dos vinhos multi-safras (NV),
principalmente espumantes.
As
amostras foram divididas em 51 categorias e avaliadas por um corpo de 31
jurados de grande reconhecimento. Cada vinho passou pelo crivo de no mínimo uma
das mesas de 4 a 6 jurados, em degustação às cegas por categoria, em que se
desconhecem produtor e região. Não sabemos sequer as vinícolas que estão
inscritas na prova.
Em
caso de notas muito discrepantes entre jurados, há uma discussão na mesa, que
pode provocar ou não alguma revisão. E sempre que surgem vinhos defeituosos ou
em dúvida, abre-se uma segunda garrafa. Mas foram relativamente poucos os
defeitos. Ocorreu-me também um caso em que pedi para servir da mesma garrafa em
outra taça e o vinho ficou bom, o problema era a taça! Em meio à pandemia,
diversas medidas foram acertadamente adotadas em prol da saúde dos jurados.
OS CAMPEÕES
Por haver empates em algumas categorias, foram anunciados 66 campeões. A dominância é das safras mais recentes, mas também degustamos ótimos vinhos de safras mais antigas. Chama a atenção entre os campeões a safra 2015, com 9 premiações. Como esperado, a liderança geográfica é do Rio Grande do Sul, mas outros estados vão despontando. Paraná encosta em Santa Catarina e São Paulo marca presença. Será muito rico observar a distribuição geográfica após a publicação do quadro completo de medalhas.
CAMPEÕES REPETITIVOS
Em relação ao ano passado, houve algumas repetições na primeira posição. São produtores que ganham ainda mais credibilidade, enquanto o corpo de jurados demonstra coerência em seu julgamento. No quadro estão indicadas as safras vencedoras em cada ano.
Alicante
Bouschet figurava em Outras Castas em 2019 e ganhou massa crítica para uma
categoria própria esse ano, mas a Pizzato continuou campeã. O contrário ocorreu
com a Tempranillo, mantendo a Rio Sol na liderança.
Todas as 66 posições conquistadas são de alto valor e merecem nossos aplausos. Mas 19 vinícolas foram além e se sagraram campeãs em mais de uma categoria desta mesma edição, dando um show de competência e merecendo de fato múltiplos aplausos:
IMPRESSÕES SOBRE OS VINHOS DEGUSTADOS
Esta
foi minha terceira participação no corpo de jurados e tive a satisfação de
constatar o aumento da qualidade geral dos produtos degustados. Percebi também
que algumas categorias estão mais maduras do que outras, apresentando maior
uniformidade no painel e indicando um caminho promissor aos produtores que nela
apostam. Outras nem tanto, o que possivelmente seja por estarem em
desenvolvimento, por haver necessidade de aperfeiçoar o processo de produção ou
por vinhedos legados sem vocação, que custam caro para substituir.
Tive
a oportunidade de participar integralmente durante os quatro dias do certame e vivenciei
experiências muito ricas em diversas categorias. Mesmo assim, há muitas
categorias que não degustei, apenas ouvi comentários dos colegas. Relato abaixo
o que me chamou mais a atenção diretamente, lembrando que várias categorias
tinham grande número de amostras, as quais foram divididas entre várias mesas,
de modo que ninguém degustou o painel completo e minhas impressões poderão
diferir de outros jurados.
·
Riesling Itálico. Apresentou muita consistência, provando sua
adaptabilidade no Brasil e sua acertada eleição como uma das principais uvas na
DO Vale dos Vinhedos. Interessante notar a virada, pois em 2019 não teve nenhum
destaque, ficando com baixas pontuações. A casta é mais plantada na Croácia, uma das principais
hipóteses de sua origem, com o nome de Grasevina, e é lá que conheci a melhor
expressão desta casta, superando as da Hungria, Áustria, Itália e Eslovênia.
·
Sauvignon Blanc. O painel impressionou pela qualidade alta e homogênea,
com excelentes resultados. Esta casta já vem demonstrando bom desempenho em
vários estados brasileiros e crescendo em qualidade. Os estilos são elegantes,
austeros e redondos, sem grande exageros de caráter herbáceo e frutado.
Surpreenderam também exemplares com madeira bem integrada, em estilo que lembra
brancos de Pessac-Léognan, em aroma e textura, embora não saibamos se foi
utilizada outra casta minoritária como corte.
Outras amostras mantiveram estilo jovem e fresco
·
Syrah. Mostrou muita expressividade típica da casta, fruta,
especiarias taninos finos, equilíbrio e alto padrão, com várias amostras
exibindo caráter sugestivo de colheita de inverno. Categoria que está sendo
vinificada com muita qualidade, sem exagero de madeira e tende a crescer
rapidamente em importância
·
Merlot. 100 amostras. A casta já é consolidada e continua consistente,
mostrando grande qualidade e expressão, não só nos exemplares da excelente safra
2018. Algumas safras mais antigas também foram destaque, como 2013, 2010 e 2009
·
Cabernet Sauvignon. 100 amostras. Verificamos que atingiu maturação
completa nas safras de 2018 e 2020, o que era esperado. A grata surpresa
foi apresentar alto nível de qualidade em
safras mais desafiadoras, exibindo níveis de pirazina bem abaixo do esperado
·
Marselan. Em outras mesas, houve muito entusiasmo com os vinhos desta
casta. Além das diversas amostras bem avaliadas, houve grande consistência de
qualidade entre elas. Marselan é um cruzamento de Cabernet Sauvignon x Grenache,
desenvolvido no sul da França, cujo nome refere-se à comuna de Marseillan,
próxima a Montpellier. A ideia era produzir uma casta produtiva com bago
grande, mas felizmente não deu certo, os bagos ficaram pequenos e a casta serve
mais à qualidade do que à quantidade, por isso só foi registrada oficialmente
em 1990. É resistente a fungos e tem amadurecimento médio a tardio. Não aparece
como casta importante nas AOCs do Languedoc, mas foi adotada por alguns produtores
locais. Por não ter grande projeção internacional, acredito que a qualidade que
vem sendo obtida no Brasil tende a ser valorizada.
·
Cabernet Franc. Esta foi outra casta muito comentada por outros
jurados. Já teve presença preponderante no Brasil, atingindo seu pico de
produção em 1985, mas sua trajetória entrou em declínio por problemas
fitossanitários e viroses. Tem melhor potencial de amadurecimento no Brasil que
a Cabernet Sauvignon e, com novos materiais genéticos, retomou seu crescimento,
o que está em sintonia com o momento de valorização da casta em diversos países
·
Malbec. Não apresentou amostras de destaque no meu grupo,
mostrando-se um painel irregular, o que não difere muito de outras edições
·
Cortes Tintos. Com 76 amostras, a categoria foi dividida em vários
grupos de jurados. No painel da minha mesa,
houve poucos destaques e um certo exagero de madeira que depreciou o
valor de várias amostras
·
Espumantes. Principal produto brasileiro, os espumantes representaram
um terço das amostras e foram divididos em 18 categorias. Merecem análise mais
profunda, levando também em conta as inúmeras demais medalhas que certamente lhe
serão conferidas. Aqui faço apenas considerações muito breves sobre o que
degustei. MÉTODO TRADICIONAL: Nature e Extra-brut em ascensão, apresentando
qualidade e complexidade, com espaço para crescer, destaque para a expressão e
complexidade de uma amostra Extra-Brut 2015; Brut bem posicionado, com vinhos
harmônicos. MÉTODO CHARMAT: Brut em painel de bom nível e uma amostra de grande
destaque com mais de 10 anos (2008). ROSÉS: paineis mais irregulares, com
amostras em diferentes níveis de qualidade e expressão. MOSCATEL: Sempre um
destaque, atinge alto grau dentro de seu estilo, que tem bom público em busca
de sua tipicidade e consistência. GLERA: não provei
·
Suco de Uva. Uma especialidade brasileira, deu gosto até de beber, ao
finalizar a prova! Muita fruta, concentração, acidez e equilíbrio marcaram o
painel. É um desafio para a pontuação, que foge da rotina!
CONCLUSÃO
A GPVB é sempre um bom momento de parada para pensar o vinho brasileiro e ter a satisfação de vivenciar sua evolução e busca de novos e velhos caminhos, como mostramos na série de vídeos da SBSomm “Caminhos do Vinho Brasileiro”. Na prova, as ideias e ações se materializam em taças e mostram no concreto que muitos desses caminhos são de sucesso. E quem ganha com isso é o consumidor brasileiro, a cada dia com mais opções de qualidade. A divulgação completa de todas as premiações nos brindará com novos elementos de análise, incorporando excelentes produtores que ainda não se mostraram nesta primeira lista, assim como novos vinhos de qualidade dos campeões. Parabéns aos organizadores desta prova impecável, aos produtores e a todos os que de alguma forma contribuíram e apoiaram!
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