
Bruno Vianna DipWSET .
1200 amostras enviadas para 100 profissionais de 25 países foram provadas simultaneamente, ilustrando diferentes estilos e tendências dos vinhos!
A Conferência Anual da Valpolicella, que ocorre na época da Anteprima
Amarone, quando é apresentada a nova safra deste vinho ícone italiano,
paixão de muitos enófilos, este ano foi bem diferente. Ao invés do convite para
ir a Verona e apreciar os lançamentos na presença dos produtores, fui
surpreendido com um aviso do Consorzio di Tutela Vini Valpolicella de
que seriam entregues em minha casa 12 amostras de vinho, para serem degustadas
simultaneamente com profissionais de inúmeros países, em fusos horários
totalmente diferentes, com apresentações e comentários feitos por Masters of
Wine (MW), enólogos, professores de enologia e outros especialistas. Quando
chegou a primeira entrega, tive que pagar um imposto de 10 vezes seu valor
estimado antes de ver o conteúdo, que era apenas o material impresso e quatro
taças... ossos do ofício. Fiquei imaginando o que iria ocorrer quando recebesse
os vinhos, mas felizmente as amostras de 20 ml, envasadas na França, chegaram
precisamente na véspera do evento, em perfeito estado – e sem mais impostos,
ufa!!!
Nos dias 26 e 27/02/21, além das três degustações técnicas de altíssimo nível, diversas palestras trouxeram temas como distribuição, e-commerce, políticas de suporte a mercado, posicionamento dos vinhos e influências do aquecimento global. Os vinhos da região de Valpolicella são divididos em 3 grandes tipologias: Amarone, Ripasso e Valpolicella. Os dois primeiros são definidos como “vinhos de método” e o Valpolicella como “vinho de território”. O Amarone é centrado nos processos de appassimento e envelhecimento, enquanto o Ripasso, ao refermentar um Valpolicella nas borras do Amarone, beneficia-se dos dois estilos extremos, tornando-se o best-buy da família. De fato, alcançou um enorme sucesso e explosão de demanda (50% de aumento em 9 anos), a ponto de exigir uma legislação mais rigorosa para evitar seu crescimento desordenado e queda de qualidade.
O Amarone é sempre a estrela mais esperada do show e estava
presente já nas quatro primeiras amostras a serem degustadas, cuidadosamente
selecionadas para exemplificar quatro estilos diversos, com diferentes usos de
madeira, tempos de appassimento, safras, teor alcoólico, açúcar
residual, proporção de Corvina/Corvinone/Rondinella/Outras, exibindo
interessantes variações no perfil aromático. Durante o tempo de secagem das
uvas nos fruttai, o Amarone desenvolve lentamente aromas cada vez mais
intensos de tabaco, balsâmico e pimenta negra, enquanto diminuem os componentes
florais.
O aquecimento global vem trazendo importantes impactos aos
vinhos da região. O tema dominou as discussões em diversos momentos,
especialmente na brilhante aula do pesquisador Diego Tomasi, da CREA-VIT. Mais
do que o aumento da temperatura média, de 15 anos para cá se descobriu que sua
faceta mais impactante é a extrema variabilidade do clima ao longo da safra,
como nas primaveras de 2014 e 2018, com três terríveis semanas de chuvas
contínuas no mês de maio, seguidas de duas a quatro terríveis semanas sem nada
de chuva! Outra preocupação são as fortes ondas de calor, praticamente
inexistentes há 30 anos e hoje frequentes. O período de amadurecimento das uvas
vem sendo encurtado em 2 a 3 semanas, o que provoca o amadurecimento dos
açúcares antes dos polifenóis, que têm sua síntese interrompida em temperaturas
acima de 30-32oC. Mas as mudanças climáticas prosseguem no outono,
quando as uvas do Amarone estão submetidas ao delicado processo de secagem. As
temperaturas se tornaram mais elevadas e a umidade relativa tem sido mais
baixa, condições que aceleram esta fase. Estudos da Universidade de Verona
comprovam que o appassimento lento aporta uma “segunda vida” à uva, com
novas sínteses de substâncias aromáticas e corantes que conferem grande riqueza
e complexidade ao Amarone. Controles climáticos vêm sendo usados nos fruttai
para restabelecer um ciclo mais longo e garantir menores temperaturas mínimas
noturnas.
Uma série de outras medidas vêm sendo adotadas na
Valpolicella como respostas às mudanças climáticas, como: vinhedos em maior
altitude; plantações menos densas para facilitar seu manejo e a gestão da água;
novos porta-enxertos (série M), que absorvem mais água, mas imprimem menor
vigor à planta; fertilização inteligente de liberação lenta; estudos sobre os
micro-organismos do solo; gestão das raízes capilares e melhoramento genético.
Importantes tendências globais de consumo foram reforçadas
durante a apresentação sobre o mercado da Noruega, destacado como o que mais
cresceu no ano passado em relação aos vinhos da Valpolicella. O consumidor está
preferindo produtos autênticos, com sustentabilidade, orgânicos/biodinâmicos,
conveniência na compra e ênfase em saúde, com menores teores alcoólicos,
estilos mais secos e leves, que harmonizem com comidas saudáveis, como peixe e
sushi. Nessa linha, o Valpolicella desponta com vantagens e guarda similaridade
com o Beaujolais.
O mercado da China desperta o interesse de todos, mas é cheio
de desafios. Segundo Lin Liu MW, na culinária chinesa “há vários ingredientes
de difícil harmonização, como açúcar, shoyu e especiarias”. Além disso, os
chefs em geral não conhecem a cultura do vinho e os pratos costumam ser
servidos ao mesmo tempo, fato que complica a montagem de sequências de
harmonização. As preferências vão para “vinhos leves e frutados, com menos
taninos e madeira. A presença de açúcar residual é bem-vinda para harmonizar
com a doçura frequentemente presente”. Entretanto, “concentrar muitos esforços nos
detalhes da harmonização pode ser inútil, pois a cultura chinesa na verdade não
tem a preocupação de harmonizar”, conclui.
O fuso horário impôs palestra
às 6h da manhã no sábado, mas a experiência foi muito rica, contando inclusive
com a presença de um novo MW, o primeiro radicado na Itália, que havia sido
anunciado no meu e-mail no mesmo dia do evento. Fora isso, foi ótimo rever
colegas e professores do Vêneto, com os quais tive contato durante a certificação como especialista nos vinhos da Valpolicella. E assim vão se
colorindo os dias em tempos sombrios de pandemia! Saúde!
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